Serviço de Utilidade Pública - Lei Municipal nº 5096/2011 de 24 de Novembro de 2011
Criado por Adriano Araújo e Emmanuel Sousa
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(Por Rau Ferreira)

Frei Caneca (1779-1825) em seu “Itinerário do Ceará” descreve com maestria os dias que se seguiram à sua prisão, até bem pouco antes da sua execução. Em seu diário, narra a passagem por Campina e a impressão que ficou daquele 12 de dezembro de 1824. 

Eram onze ao todo os que contornaram a serra da Borborema. A tropa mais parecia uma turba de retirantes. Rotos, descalços e maltrapilhos os presos surgiram na rua do Seridó para o espanto de muitos. Chegaram a rua da Matriz ao cair da tarde onde o cadafalso do prédio da Câmara Municipal os esperava. Terminava assim parte de sua caminhada iniciada no Sertão do Ceará -, ocasião em que foram rendidos pelas forças do Império -, depois de atravessarem a Vila de Souza, passando pela de Pombal, freguesia de Patos e Riacho do Padre. Ainda sentiam as agruras da fome e da sede que lhes afligia quando adentraram ao imponente edifício que demorou dois anos para ser construído.

Nesta campa, havia planos para a sua fuga durante o pernoite. Homens e cavalos estavam dispostos a arrebatar das mãos da milícia o religioso. Mas o frade recusou. O revolucionário estava firme em sua convicção, preferindo submeter-se ao julgamento no Recife. 

Recolhidos na antiga cadeia e telégrafo de Campina, para a sua surpresa, por volta das dez horas um cidadão de cor, conhecido apenas por Manuel Alexandre, adentrou ao enclaustro oferecendo algumas bolachas e um pouco de vinho aos heróis da Revolta de 17. 

O homem, tocado pelo estado de miséria que se encontravam os mártires, dispôs ainda de algumas peças de roupas dizendo que “não mais fazia por não lhe ajudar as suas posses, mas Deus era testemunha do seu sofrimento por ver naquela situação os verdadeiros filhos da pátria.” (RIBEIRO: 1979). E o disse vertendo lágrimas!

Esta foi a primeira demonstração de carinho recebida pelo frade e seus companheiros em terra campinense, em que a compaixão humana se fez mais presente.
Todavia, um fato desagradável mereceu anotação em seu opúsculo, que assinalamos por suas próprias palavras:

“Aqui em Campina Grande o nosso conductor, o major Pastorinha, portou-se comnosco malissimamente, pondo-nos sentinellas à porta da cadeia, em que nos metteu, e até dando ordem para não consentir subir lá gente, e separando-se do nosso rancho para ir jantar como lord em casa do commandante; e como mandasse-nos o jantar, foi por todos nós repudiado, porque ainda que presos não tínhamos perdido os sentimentos de homens de bem, para nos sujeitar-nos a soffrer indignidades e vilezas. Passamos, pois, sem jantar, tomando apenas uma pequena refeição de bolachas, queijo e vinho, que alguns companheiros mandaram comprar; e com isto nos contentamos.” (CANECA: 1875, p. 133).

Com efeito, Joaquim do Amor Divino Caneca aceitava padecer o sofrimento físico, mas a dor moral pesava-lhe o âmago e, neste ponto era intolerável. 

Recusada a janta nada mais havia como alimento, exceto algumas bolachas, um pouco de vinho e queijo. 
No dia seguinte a turba prosseguiu viagem ao Recife, deixando a cidade Rainha na retina do prisioneiro ilustre a lembrança de um ato de compaixão por parte de um desconhecido, mas também de bravura e de patriotismo sentimentos que encorajava o revolucionário e pelos quais este chegara até aquela Vila. Contudo, não sem antes ainda provar um pouco mais da hospitalidade campinense, uma vez que prosseguindo o seu Itinerário ainda pernoitaram em uma das fazendas de Bento José Alves Vianna – o Bento Camporra:

“Pelas três horas e meia da tarde sahimos de Campina Grande, para ir pernoitar a três leguas de distância no Caboclo de cima, fazenda de Bento Camporra, onde fomos hospedados pelo filho do dito bento; os quaes nos mandaram fazer uma boa ceia, e nol-a administraram elles mesmos com a maior urbanidade possivel” (CANECA: 1875, p. 133/134).

Na capital pernambucana, o religioso fora submetido a julgamento pela Comissão Militar e condenado à morte por enforcamento, embora não houve carrasco que demonstrasse coragem de proceder a tal ordem. 
Professor de retórica, geometria e filosofia, conhecido pelos seus ideais políticos (não obstante as obras sociais que empreendeu durante a sua vida religiosa), o frade impunha certo respeito a seus opositores e temor reverencial ao povo nordestino. 

Com isto, a solução foi executar a sentença de morte por fuzilamento, onde os guardas perfilados não sabiam qual deles disporia o armamento desmuniciado, livrando-os assim do peso na consciência àquele que no dia 13 de janeiro de 1825, no Forte das Cinco Pontas, tirou a vida de Frei Caneca.

O edifício onde ficou aprisionado em Campina atualmente é sede do museu histórico da cidade. Ali um alçapão e uma seta indicam o local onde por algumas horas esteve retido o grande patriota. Há também uma ilustração de Frei Caneca posta na parede circundado pela milícia imperial.

Referência:
- ALMEIDA, Elpídio de. História de Campina Grande. Edic̜ões da Livraria Pedrosa: 1962.
- RIBEIRO, Hortênsio de Souza. Vultos e fatos. Secretaria Estadual de Cultura. João Pessoa/PB: 1979. 
- CANECA, Joaquim do Amor Divino. Obras políticas e litterarias - Compilado por Antonio Joaquim de Mello. Reimpressão. Typ. Mercantil: 1875.

3 comentários

  1. Anônimo on 5 de julho de 2013 às 20:07

    Quis o destino que Campina Grande hospedasse dois religiosos a caminho da morte: os Martires da Liberdade padre Antonio Pereira, em 1817, e frei Caneca em 1824.
    A comitiva que entrou em Campina Grande tiha 18 prioneiros, incluindo Frei Caneca e o ex Presidente da Paraiba Felix Antonio Ferreira, escoltados pelo Major Pastorinha e mais 18 militares.
    O Diario de Frei Caneca nao menciona nenhum plano de fuga em Campina Grande. Foram estas as suas palavras de recohecimento aos campinenses:

    "Nesta Vila fomos visitados pelo Pita e outras muitas pessoas de patriotismo e sentimentos liberais do lugar, que mostraram extremamente consternar-se com a nossa sorte, entre os quais foi um pardo chamado Manoel Alexandre, cuja generosidade nesta ocasiao nao podemos deixar de mencionar, poque vendo-me e ao Merces, faltos inteiramente de vestuarios visto que apenas possuiamos uma camisa, uma calça e vestes ja rotas, que traziamos vestidos, porquanto toda a nossa fatiota tinha sido carregada pelos calhambolas, nas cargas que nos roubaram na descida da Pedra Lavrada, correu a sua casa e troxe para cada um de nos duas camisas, dois lençois e um corte de veste, que nos apresentou vertendo lagrimas e pedindo-nos que lhe houvessemos de perdoar aquela pequena oferta, que nada mais podia dar, atendida a sua pobreza; mas que o ceu era testemunha dos sentimentos internos do seu coraçao e do quanto desejava ter naquela ocasiao para nos ofertar, pois lhe causava a maior compaixao possivel o ver em semelhante estado os verdadeiros filhos de sua patria."

    Que belissimo gesto.

    Alberto Cavalcanti

     
  2. Anônimo on 7 de julho de 2013 às 19:59

    Bento Jose Alves Viana (1766, Portugal - 1843, Campina Grande). Casou em Recife com Rita Maria da Silva e la nasceram seus sete filhos. Estabeleceu-se em Campina Grande cerca de 1816. Foi Capitao Mor, vereador e presidente da Camara. Grande proprietario de terras em Campina Grande, no Cariri e Rio Grande do Norte. Deixou grande descendencia em varias familias campinenses.

    Alberto Cavalcanti

     
  3. Anônimo on 12 de julho de 2013 às 18:03

    Nota da coluna do jornalista Ancelmo Gois na edição de "O Globo" do Rio de Janeiro de 12/07/2013: "Frei Caneca

    O poema “Auto do frade”, de João Cabral de Melo Neto, que narra a história de Frei Caneca, líder da Revolução Pernambucana, vai ganhar as telas.
    A direção é de Inez Cabral de Melo, filha do poeta. José Dumont fará o papel do líder revolucionário condenado à morte em 1825.

     


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