Serviço de Utilidade Pública - Lei Municipal nº 5096/2011 de 24 de Novembro de 2011
Criado por Adriano Araújo e Emmanuel Sousa
retalhoscg@hotmail.com

QUAL ASSUNTO VOCÊ ESTÁ PROCURANDO?

Nossa leitora Ana Lúcia nos enviou os seguintes textos, relatando personagens da nossa vida folclórica e uma lembrança de sua infância. Os textos serão postados do jeito que nos foram enviados:


“MARIA PREÁ”

Contam que era uma velha, comumente encontrada nos coletivos de Campina Grande, que andava com seu inseparável cajado numa mão e uma caixa vazia de remédio tarja preta na outra, como justificativa de pedir ajuda, pois necessitava de medicação controlada. Atendia pela alcunha de “Maria Preá”, do qual bastava um daqueles mais gaiatos – que não resistem em tirar um sarro de qualquer “moganga” gritar: PREÁ! PREÁ! Que essa velha se invocava e saia batendo o porrete no assoalho do ônibus esculhambando a quinta geração do infeliz que chamou ela de “preá”...

Era cada palavrão, de deixar os cabelos em pé de qualquer senhora mais distinta que estivesse no ônibus, ou de arrancar as maiores gargalhadas dos mais jovens e mais velhos que adoram uma comédia. A comparação mais “singela” que ela adorava fazer era dizer que, numa linguagem mais culta (se é que isso é possível), a genitora de quem a chamou de “preá” tinha um orifício proctológico maior que a cobertura do ginásio de esportes O Meninão!...E desencadeava toda sorte de xingamento, para quais os mais corajosos, continuavam insultando: PREÁ! CALA BOCA PREÁ! Ela mandava a criatura pro “inferno das quengas pra dentro”.

O mais interessante disso tudo é que, alternando as explosões de palavrões a danada da velha se virava pro passageiro mais próximo e, quase que murmurando com a voz bem suprimida e ofegante do mundo, pedia uma “esmolinha pelo amor de Deus”, mostrando a caixa de remédio controlado como motivo para pedir ajuda, como se fosse a criatura mais inocente da face da terra... Mas bastava lhe negarem a esmola que ela, mesmo sussurrando, mudava o discurso e chamava o indivíduo de filho de rapa...

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“PRETO VELHO DAS MULETAS”

Quem tem no mínimo 30 anos e morava no circuito Liberdade – Santa Rosa deve-se lembrar de um preto velho, gordo, já com a barba e os cabelos grisalhos que, ao menos uma vez por semana, geralmente aos sábados, passava apoiado numas muletas carregando um grande saco velho, meio maltrapilho pedindo esmolas nas casas... Tinha um olhar meio desconfiado e a imaginação do que ele pudesse carregar dentro daquele saco, além das esmolas que recebia, eram de deixar qualquer guri da minha época com medo de ser seqüestrado.

Pedia de casa em casa religiosamente toda semana e, para alguns mais caridosos e inocentes, como no caso da minha mãe, sempre sentava na soleira da casa para descansar das pernas (e das muletas), enquanto tomava um café com pão dormido e aguardava que fossem pegar qualquer mantimento para ajudar o coitado. Enquanto esperava, minha imaginação de criança e meus olhos curiosos entreolhavam com medo do “preto velho das muletas”, imaginando que ele podia me carregar, como castigo das minhas diabruras de infância, enquanto que minha mãe sempre recomendava que não ficasse perto de desconhecidos, ainda que nas dependências de nossa casa.

E assim, seguiram-se alguns anos até que se descobriu que o danado do velho não era aleijado coisa nenhuma e que fazia pretexto de duas muletas para pedir esmola de casa em casa e tomar cachaça e usar da inocência dos outros. Eu mesma comprovei, numa das minhas memoráveis andanças com meu pai (também sempre aos sábados) o homem com a cara de “cachorro que quebra a louça” andando firme que nem uma tora pela feirinha da Liberdade, pelo qual ele me olhou como que me reconhecendo, já que na minha época não tinham muitas crianças na minha rua! Deu-se por fim o mistério do “Preto velho das muletas”.

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“O APITO”

Há alguns anos, antes dessa onda de segurança eletrônica ou vigia específico em cada rua, era comum ter uma espécie de inspetor do quarteirão. Geralmente era um guarda noturno, que toda santa madrugada vinha apitando rua por rua do seu perímetro de inspeção e todo sábado recolhia uma gorjeta pelo serviço prestado. Era algo completamente informal, em que nem eu mesma sei como começou e como terminou, mas só sei que toda santa noite meu coração gelava embaixo das cobertas ao ouvir, bem longínquo, o apito do guarda que se aproximava lentamente e dava um medo desgraçado em qualquer pirralho que acordava com aquele suspense à uma hora da madrugada.

A sensação daquele apito sinistro se aproximando (começando bem distante e ficando mais forte) e a imaginação de quantos ladrões, lobisomens, mula-sem-cabeça ou papa-figos e outras criaturas noturnas que estavam se escondendo, me deixavam inerte embaixo do lençol com uma única vontade na vida: o de aproveitar o restinho da coragem que ainda tinha e correr pro quarto da minha mãe.

Textos de Ana Lúcia Santino

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Quem quiser nos enviar mais causos sobre as "figuras folclóricas" de Campina Grande, podem fazê-lo através de nosso email, que teremos o maior prazer em publicar.


2 comentários

  1. maniaco_da_camera on 7 de julho de 2010 às 16:41

    graças ao cg retalhos e ao texto memoravel de Ana Lucia Santino as minhas lagrimas não fizeram questão de rolar rosto a baixo nossa parece que ela narrou minha infancia e os meus medos da epoca lenbro sim desse velho do saco pois moro na liberdade mas a lenbrança é bem vaga mas essa do apito ana lucia saiba que na sua epoca vc não estava só com medo do apito eu tbm tinha mas nessa epoca eu morava no rosa cruz o texto do "o apito" é uma maquina do tempo pra mim parabens

     
  2. Jobedis Magno de brito Neves on 28 de setembro de 2010 às 11:22

    Estes personagens marcaram a paisagem e os acontecimentos de Campina Grande. Eram e são pessoas engraçadas, extrovertidas, algumas brincalhonas, outras bravas, temperamentais, mas fundamentalmente irreverentes, que habitavam e circulavam pelas ruas centrais da cidade, se incorporando ao cotidiano, trazendo-nos algum tipo de informação, alegria e de certa forma, amenizando as durezas e as amarguras de nossas vidas. Essas irreverentes criaturas e suas passagens ficaram e ainda ficam em nossas recorda-ções e em nossas memórias. Conhecemos em Campina outros personagens muitos engraçados, cômicos e irreverentes que daria matérias para outras reportagens.

     


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